sexta-feira, 4 de junho de 2010

A Espiral

O ofício de escritor parecia-lhe interessante. Não costumava ler muito, mas admirava aqueles que o faziam. Conforme foi crescendo adquiriu uma vontade compulsiva por escrever. E o fez. Seu livro não trazia nenhuma ambição de best-seller ou de livro revolucionário, ou mesmo de obra-prima. Era apenas um livro, bem humilde, curto e simples.

Um susto ao ver seu livro vender, ser acolhido pela crítica e receber prêmios a todo instante. Em uma semana estava entre os dez melhores e em um mês já era o mais vendido do país. Em poucos anos foi traduzido em quase cinquenta idiomas e sua fama não parava.

O autor ficou famoso e era entrevistado pelo menos uma vez por mês. Seu livro foi adotado por escolas e tido como obra culta. Mais profundo que Machado de Assis, mais vendido que Paulo Coelho e mais trabalhado que Goethe.

Conforme os anos passavam o livro foi se estabilizando e sendo mais conhecido. Com isso surgiu uma praga. Não havia lugar que este livro não fosse visto. Na televisão, propaganda no jornal, crítica e na estante: lá estava ele.

No começo achavam estranho quem ainda não o tinha. Logo, pessoas assim já não eram mais encontradas. E qualquer comentário que rompesse com esse paradigma era rapidamente suprimido e tido como um atentado à cultura. Mas isso tomou um tamanho tal que ninguém mais pôde controlar e logo um sentimento oposto nasceu.

Aos poucos foi surgindo uma figura sinistra do livro. Ninguém mais queria vê-lo. Começaram a odiá-lo. Mas em silêncio, já que não queriam contrariar o resto do mundo, e dessa forma continuavam em uma ilusão de ódio calado.

Um dia veio notícia de que havia mais de sete bilhões de humanos no mundo e outra que dizia que haviam sido vendidos mais de oito bilhões de exemplares do maldito livro. Muitos possuíam dezenas e até centenas de livros de tão compulsivo que havia se tornado o ato da compra.

Depois de tanto sucesso o Autor não queria mais saber da vida. Achava que seu livro não era mais seu, mas algo externo e misterioso. Não conseguia mais escrever e foi se matar. Quando olhou pela janela viu uma multidão se aproximando e se aliviou, pensou que agora não teria mais que tirar a própria vida, outros já fariam isso por ele.

Assim que a multidão entrou em sua casa ele se entregou. Todos imaginavam que ele possuísse o maior acervo de seus livros. Mas não encontraram nenhum.

Então passaram a achar que ele seria um iluminado, que era o único livre daquela praga e o tiveram como um deus. Ele desistiu da morte. Foi à televisão e disse para todos se livrarem de seus livros. Em dez dias não havia praticamente nenhum exemplar inteiro. Sua fama voltou e as entrevistas surgiam aos montes.

Conforme o tempo passava ele foi recuperando a vontade insana de escrever. E escreveu sua biografia. A vida de uma das pessoas mais famosas do mundo. Ao ter o livro publicado, surpresa.
Em uma semana estava em primeiro lugar. Em duas era o mais vendido no mundo. Foi tido como grande personalidade e todos compraram seu livro. Em pouco mais de um ano a população estava menor que o número de exemplares vendidos. Aos poucos foi surgindo uma figura sinistra do livro...

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